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OPINIÃO: Psicopata por açúcar e sabão

A Juvelina morou vários anos numa casinha de madeira pintada de branco, com janelas de um marrom desmaiado, lá para as bandas do Itararé, perto da Escola Estadual Walter Jobim, onde, diga-se de passagem, trabalhei na secretaria nos tempos de faculdade. Aprovado no concurso de agente administrativo do Estado, acabei lotado no chamado Polivalente, como ainda é conhecido o educandário. A diretora da minha época era a estimada professora Leda Trevisan, que me levava meio livre nos dias em que eu tinha que estudar para as provas, mas exigia a devida compensação da carga horária quando a vida acadêmica retornava aos trilhos da normalidade. Respondia pela vice-direção a conterrânea Therezinha de Jesus Pires Santos, hoje zelosa coordenadora da Casa de Memória Edmundo Cardoso.

Mas voltando à Juvelina, é uma das pessoas mais de bem com a vida que eu conheço. E tinha tudo para não ser assim tão na boa. Mãe de 5 filhos, 11 netos - e outros tantos a caminho desse mundo hostil - tirava até pouco tempo atrás o sustento da ninhada faxinando casas alheias. Apesar de todas as dificuldades encontradas, nunca perdeu a esportiva. Ri que se dobra da própria penúria, sublime particularidade agregada ao caráter dos que estão num patamar acima.

Reparando melhor, quem mais reclama só conhece por ouvir falar o funéreo chamado da fome. Não tem a menor ideia do estrago que ela faz nos pequenos. Experimenta passar um dia inteiro sem comer! Multiplica isso por dois ou três e terás o retrato de um ser humano rebaixado à condição de coisa, aparentemente móvel.

A Juvelina me contou que seu pai andava na lona, abaixo de morfina para aguentar o tirão de um câncer que se aquerenciou na carcomida carcaça bugra. Já nas últimas, a cabeça girando que nem coruja dengosa, o velho viu se aproximar do leito final o neto mais novo, uma criança mexerica, dentadura que era um brinco, cheio das preocupações materiais:

- Vô, agora que o senhor tá morrendo mesmo, pra quem vai tocá o serrote?

Conforme eu tinha dito no início, a Juvelina criou os filhos com variadas agonias. Faltava tudo em casa, inclusive marido para dar uma mão no sustento da descendência. O café preto não tinha nem lembrança do açúcar. Toda a trouxa dos mijados ela lavava no muque, felpiando uma nesga de sabão. Aproveitava até o suspiro da espuma. Depois de aposentada, evidente que a situação deu uma melhorada considerável. Aí, como forma de se vingar daquele tempo duro, tal qual a pedra do arroio onde batia roupa, chegou a ter em estoque na despensa 62 quilos de açúcar e 18 de sabão.

Grande parte do açúcar tinha virado tijolo, pela inércia do manejo. Perguntei, puxando conversa, qual a razão para tanto exagero na armazenagem dos produtos. A resposta veio num repente de ponderação, quase em tom confessional:

- Jorginho, fiquei psicopata por açúcar e sabão...

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